Família procura doador de medula para salvar menino de 4 anos após irmã morrer com mesma doença rara


Menino foi diagnosticado com doença raríssima, que causa imunodeficiência e problemas neurológicos, precisa de transplante de medula para sobreviver

Marcelo Veiga corre contra o tempo para encontrar doador de medula e salvar a vida do filhoFoto: Alex de Jesus / O TEMPO

Ainda no primeiro ano de vida, Antonella Veiga Guimarães foi acometida por uma gripe, muito comum em crianças durante o inverno. Mas os sintomas persistiram por três meses até que ela apresentou resistência aos medicamentos e piora no quadro, que a levaram à internação em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em Lavras, no Sul de Minas, e à transferência para um hospital pediátrico em Belo Horizonte. Enquanto os médicos corriam contra o tempo para descobrir qual enfermidade acometia a menina, o irmão Enzo Veiga Guimarães, de 4, apresentou sintomas parecidos. No último 1º de dezembro, 40 dias após a internação e ainda sem um diagnóstico preciso, Antonella morreu com apenas 1 ano e 8 meses. Já Enzo sofreu perda de coordenação motora e passou a se alimentar por sonda. Em meio ao luto, o mistério foi desvendado por exames genéticos e a família de Enzo e Antonella teve um diagnóstico: deficiência de purina-nucleosídeo fosforilase, condição raríssima que causa imunodeficiência e problemas neurológicos. Agora, a família corre contra o tempo para salvar o menino. A única chance de Enzo superar a doença é por meio de um transplante de medula óssea.

“Todos os dois, em determinada fase, tiveram dificuldades para andar e propensão a contrair mais doenças. A Antonella teve uma gripe normal, mas passados três meses ela foi enfraquecendo. Ela era normal e perfeita. Aí o Enzo começou a adoecer, e os médicos mandaram a gente procurar um geneticista. Fizemos exames em laboratórios de São Paulo, com análise em bancos genéticos internacionais, que confirmaram o diagnóstico, e conseguimos internar ele aqui no Hospital das Clínicas”, conta Marcelo Veiga de Souza, pai das crianças. Antonella não teve um diagnóstico fechado, mas tanto os pais quanto os médicos acreditam que ela tinha a mesma condição rara.

O diagnóstico causou espanto até para os médicos, segundo conta o pai. Os profissionais relatam que nos Estados Unidos são cerca de 100 casos, enquanto no Brasil há menos de 30 casos. O garoto, morador da cidade de Nepomuceno, no Sul de Minas, está internado há dois meses no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital das Clínicas da UFMG, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. A criança, que era ativa e brincalhona, hoje não anda, não fala e se alimenta por sonda. Os pais, agora, se dividem entre a cidade no interior de Minas e BH para acompanhar o pequeno e correr atrás de possíveis doadores de medula óssea. “Ele era perfeito, brincava, jogava bola e hoje ele não fala nem pai e nem mãe mais. Não tivemos tempo de viver o luto da minha menininha, e hoje precisamos correr contra o tempo”, desabafa Marcelo.

Enzo e Antonella eram crianças brincalhonas e sem doenças aparentes, segundo relato dos pais Foto: Arquivo Pessoal

A primeira esperança era de que alguém da família pudesse ser compatível com o menino. Segundo o Hemominas, a estimativa é de que a chance de se encontrar um doador compatível entre parentes é de 1 em 100 de doadores. Entretanto, nenhum familiar se enquadrou nos critérios. Os pais de Enzo agora recorrem à única alternativa, que depende de um ato de amor e solidariedade sem preço de alguém desconhecido.

"Hoje corremos contra o tempo, precisando que as pessoas ajudem um pai e uma mãe em desespero para encontrar um doador que seja compatível de 80% a 100% com ele. Peço a todos aqueles que estão ouvindo que nos ajudem e busquem um hemocentro mais próximo. Você pode fazer o cadastro, o teste com 5 milímetros de sangue. É coisa de minutos e isso em três dias no máximo pode dar o resultado de compatibilidade ou não, e que venha salvar o nosso menininho", clama o pai.

A procura por um doador é feita pelo Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), banco de dados que reúne pessoas que se cadastraram para doar para pacientes que precisam de transplante. Atualmente, o número de doadores cadastrados no sistema é de 5,9 milhões de pessoas. Mas a compatibilidade não é simples. Entre desconhecidos, a possibilidade vai para um caso a cada 100 mil. Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 2024, o Brasil registrou 5.745 transplantes de medula óssea, sendo 3.760 do próprio paciente (autólogo), 1.610 de parentes de pacientes (aparentado) e 375 de pessoas que não têm ligação sanguínea com o paciente (não aparentado). Atualmente, há 650 pessoas à espera de um doador para a realização do transplante em todo país. O tempo médio de espera para encontrar um doador é de 2 meses.

O analista da Assessoria de Captação da Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado de Minas Gerais, Thiago Sindeaux, explica que qualquer pessoa com idade entre 18 e 35 anos, em boas condições de saúde e sem doenças impeditivas como as infecciosas ou hematológicas, pode doar. Em Minas, em 2024, a fundação cadastrou 16.064 candidatos à doação de medula óssea no Redome. “No dia que a pessoa escolher, ela se dirige portando documento original com foto e lá os profissionais fazem o cadastro de dados pessoais do candidato. Em seguida, ela vai até a sala de coleta realizar amostra de 5 milímetros de sangue, para realizar o HLA, que vai determinar as características genéticas desse doador”, detalha.

A compatibilidade é verificada pela semelhança entre os antígenos dos leucócitos encontrados no sangue do doador com os do receptor, por meio do exame de HLA (Antígenos Leucocitários Humanos). Na prática, quanto mais candidatos cadastrados, maiores as chances de se encontrar o doador ideal para os pacientes que precisam de transplante. “O Redome é o terceiro maior banco de pessoas cadastradas como doadoras de medula no mundo. A análise também é cruzada com doadores de fora do país. Por isso, é preciso ter em mente que você pode ajudar pessoas de qualquer local do mundo”, explica Sindeaux.

O analista da Hemominas reforça que a doação é anônima e indireta, não sendo possível indicar o receptor. “Pela legislação brasileira não temos uma doação específica de medula. A pessoa que se dirige ao hemocentro precisa estar ciente que ela pode ser compatível com qualquer pessoa do território nacional ou internacional. A compatibilidade entre familiares, por exemplo, é feito a pedido do médico e não no banco. Na doação de medula, o doador e receptor não podem se identificar para que tudo ocorra dentro das legislações”, pontua.


Como posso doar?

Os candidatos a doadores de medula óssea precisam ter entre 18 e 35 anos, mas o cadastro permanece ativo até os 60 anos. É necessário que o doador esteja em boas condições de saúde e sem doenças impeditivas como as infecciosas ou as hematológicas. Entre as doenças, o analista da Hemominas cita hepatites, Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), diabetes, doenças autoimunes, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e asma.

“A doação de medula é voluntária, ela é motivada pelo altruísmo individual de cada cidadão. Uma pessoa que depois de se cadastrar escolha recusar a doação, deve atualizar o cadastro no site do Redome”, pontua.

O doador precisa apresentar documento oficial com foto e comparecer ao hemocentro mais próximo para a coleta de uma amostra de 10 ml de sangue para exame de compatibilidade genética (HLA). Saiba onde está o hemocentro mais próximo e o horário de coleta. https://redome.inca.gov.br/rede-redome/hemocentros-para-cadastro-no-redome/.


Como buscar doadores?

A primeira etapa da busca por contabilidade de doadores é feita entre familiares do paciente. Há cerca de 25% de chances de encontrar um doador compatível na família, em geral um irmão ou um dos pais. Havendo um irmão totalmente compatível (100%) esta será a primeira escolha para ser um doador. Não havendo compatibilidade, inicia-se uma busca por meio de registros de doadores no Brasil e no exterior.

As informações dos pacientes que necessitam de transplante sem um irmão compatível são incluídas no Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme). Os doadores são cadastrados no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). Os dados dos dois registros são cruzados para verificar a compatibilidade entre pacientes e doadores. Essa busca é automática.

"Assim que o paciente entra no Rereme, cadastrado por seu médico, acontece a primeira tentativa de encontrar um doador. A partir daí, o próprio sistema refaz a busca, todos os dias. Um resultado preliminar aponta uma lista de possíveis doadores compatíveis. O médico assistente, junto com a equipe especializada do REDOME, analisa (dentre estes possíveis doadores) qual tem chance de ser mais compatível com o paciente. Na sequência, são feitos contatos com os voluntários e solicitados os exames complementares", explica o Redome.


Uma pessoa que precisa de doação, como fazer para consultar o banco?

Pacientes que necessitam de um transplante de medula óssea não consultam diretamente o banco de doadores. O processo é conduzido pelo médico responsável pelo tratamento. Inicialmente, verifica-se a compatibilidade entre familiares próximos. Se não houver compatibilidade familiar, o médico solicita ao Redome a busca por um doador não aparentado.


Como é feito o contato com os doadores para informar a compatibilidade?

Quando um paciente necessita de transplante de medula óssea e não possui um doador compatível na família, o Redome realiza uma busca em seu banco de dados. Se um potencial doador compatível for identificado, a equipe do Redome entra em contato para confirmar a disposição e disponibilidade do voluntário para prosseguir com os exames complementares e, se confirmado, realizar a doação.

Onde é feita a doação?

A doação de medula óssea ocorre em centros especializados, geralmente localizados em hospitais habilitados para realizar transplantes. O local específico é determinado pela equipe médica responsável, considerando a proximidade e a conveniência tanto para o doador quanto para o paciente.


Como é a doação?

A doação de medula óssea pode ser feita de duas formas, punção ou aférese. A decisão sobre o método é exclusiva dos médicos assistentes.

Punção: É um procedimento realizado sob anestesia em que a medula óssea é retirada do interior do osso da bacia, por meio de punções. Requer internação de 24h, podendo ocorrer dor no local da punção, nos primeiros dias, que pode ser amenizada com uso de analgésicos. O tempo de recuperação ocorre em torno de 15 dias.

Aférese: neste método o doador faz uso de uma medicação por cinco dias, com o objetivo de aumentar a produção de células-tronco circulantes no seu sangue. Durante o uso desta substância, podem ocorrer dores ósseas e musculares, além de cefaleia (dor de cabeça). Após esse período, a doação é realizada por meio de uma máquina de aférese, que colhe o sangue através de duas veias do doador, uma em cada braço, ou uma veia profunda, separa as células-tronco e devolve os componentes do sangue que não são necessários para o paciente. Não há necessidade de internação e anestesia. Poderão ocorrer náuseas, dormências, sensação de frio e hematoma no local do acesso.


Saiba o que é a deficiência de purina-nucleosídeo fosforilase, doença que acomete o menino Enzo:

Conforme informações do Ministério da Saúde, a doença é considerada uma rara deficiência autossômica recessiva, caracterizada por imunodeficiências com grave disfunção das células T (tipo de glóbulo branco) e sintomas neurológicos frequentes. As principais manifestações são: infecções recorrentes e baixa concentração de ácido úrico no sangue, também conhecida como hipouricemia. Os pacientes geralmente apresentam retardo de desenvolvimento, descoordenação de movimentos ou rigidez e hiperatividade muscular involuntária.

O diagnóstico da deficiência de purina-nucleosídeo fosforilase é por análise de DNA. O tratamento da deficiência de purina-nucleosídeo fosforilase é com transplante de medula óssea ou de células-tronco. A doença é tão rara que poucos especialistas têm informações mais específicas sobre o quadro. A reportagem tentou contato com geneticistas que lidam com doenças raras diversas e nenhum deles se sentiu confortável para falar sobre o assunto.


Fonte: O Tempo



Postagem Anterior Próxima Postagem