Representantes dos dois países voltam a se reunir pouco mais de uma semana após discussão na Casa Branca, com mais diferenças do que alinhamentos sobre a mesa
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O governo da Ucrânia concordou com uma proposta dos EUA para um cessar-fogo total e imediato de 30 dias no conflito com a Rússia, no que seria o passo inicial para um acordo mais amplo e definitivo. Segundo comunicado emitido após reunião entre representantes dos dois países na Arábia Saudita, nesta terça-feira, Washington ainda retomou a ajuda militar e de inteligência a Kiev, suspensa após uma áspera discussão entre os presidentes Donald Trump e Volodymyr Zelensky na Casa Branca, há menos de duas semanas.
Segundo o comunicado, divulgado ao final da reunião em Jeddah, o cessar-fogo "pode ser estendido por acordo mútuo das partes", mas ainda "está sujeito à aceitação e implementação simultânea pela Federação Russa" — antes do encontro, Kiev defendia que a suspensão fosse válida apenas para ataques por ar e mar, condicionando o fim dos combates terrestres a garantias de segurança, fornecidas por aliados ocidentais, de que a Rússia não voltaria a invadir o país.
Volodymyr Zelensky, em texto publicado em suas redes sociais, revelou que o cessar-fogo proposto pelos americanos vale "não apenas em relação a mísseis, drones e bombas, não apenas no Mar Negro, mas também ao longo de toda a linha de frente".
"A Ucrânia aceita esta proposta, nós a consideramos positiva, estamos prontos para dar esse passo. Os Estados Unidos da América devem convencer a Rússia a fazer isso. Ou seja, nós concordamos, e se os 'russos' concordarem, naquele momento a trégua entrará em vigor", escreveu o presidente.
Na véspera do encontro, Zelensky afirmou que um cessar-fogo total e sem garantias daria tempo ao Kremlin para “curar os feridos, recrutar infantaria da Coreia do Norte e recomeçar esta guerra”.
A declaração final cita a retomada do compartilhamento de inteligência dos EUA com a Ucrânia, assim como a retomada de quase US$ 1 bilhão em assistência de segurança — ambas foram suspensas após a altercação entre Zelensky e Trump, no dia 28 de fevereiro —, e declara que as duas delegações "concordaram com o início imediato de negociações para uma paz duradoura e eficaz para a segurança de longo prazo da Ucrânia".
Por fim, Ucrânia e EUA pretendem "concluir, assim que possível" um acordo para “desenvolver os recursos minerais críticos da Ucrânia para expandir a economia da Ucrânia, compensar o custo da assistência americana e garantir a prosperidade e a segurança da Ucrânia a longo prazo”. Esse plano deveria ter sido assinado, em sua primeira versão, por Trump e Zelensky na Casa Branca, mas ficou em um limbo político após a discussão do dia 28 de fevereiro.
Em entrevista coletiva, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Mike Waltz, e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, disseram que foram dados passos importantes em Jeddah, e prometeu levar os termos para os russos, acrescentando que "a bola agora está com eles". Nos próximos dias, Waltz deve ir discutir o tema com representantes do Kremlin, e Rubio levará os planos aos chanceleres do G7, o grupo de sete das mais industrializadas economias do planeta.
— Vamos levar a oferta a eles (russos). Vamos dizer a eles: é isso que está na mesa — disse Rubio. — A Ucrânia está pronta para parar de atirar e começar a conversar, e agora caberá a eles dizer sim ou não. Espero que digam sim. Se disserem, então acho que fizemos um grande progresso. Se disserem não, então infelizmente saberemos qual é o impedimento para a paz aqui.
Oficialmente, o Kremlin diz ser contra um cessar-fogo temporário, já defendido pelo presidente francês, Emmanuel Macron, e exige "compromissos firmes sobre um acordo final". Em declarações à imprensa, o porta-voz da Presidência russa, Dmitry Peskov, disse não ter recebido detalhes sobre o que foi discutido em Jeddah.
Não foram feitas menções a temas mais sensíveis, como a pressão de Moscou e da própria Casa Branca para que Kiev aceite ceder parte dos territórios ocupados pela Rússia. Estima-se que 20% do território ucraniano, com base nas fronteiras estabelecidas em 1991, estejam sob controle russo, e o próprio Rubio havia dito, na véspera, que esse era um desfecho difícil de evitar.
— Os russos não podem conquistar toda a Ucrânia, e obviamente será muito difícil para a Ucrânia em qualquer período de tempo razoável forçar os russos a voltarem para onde estavam em 2014 — afirmou, na segunda-feira, o secretário de Estado.
Ecos do bate-boca
Diante das câmeras em Jeddah, os membros das delegações apertaram as mãos e deram palavras otimistas aos jornalistas. Mas o desconforto causado pela discussão entre Trump e Zelensky na Casa Branca, no último dia de fevereiro, era impossível de ser evitado antes das portas serem fechadas.
Na ocasião, Zelensky viajou a Washington para assinar um acordo que daria aos americanos acesso a cerca de 50% das riquezas minerais de seu país, especialmente lítio e as chamadas terras raras, cruciais em indústrias de alta tecnologia e militar, em troca da ajuda militar de Washington. Mas o que era para ser um dia de celebração para os dois lados rapidamente se tornou um dos mais caóticos episódios da política internacional nas últimas décadas.
Ao lado do vice-presidente americano, J.D. Vance, os líderes trocaram acusações, reclamaram das posturas alheias e cometeram algumas inverdades. Após dez minutos, os jornalistas foram retirados do Salão Oval e Zelensky convidado a deixar a Casa Branca, sem qualquer acordo assinado.
O embate teve outras repercussões: de forma intempestiva, Trump suspendeu novos envios de ajuda militar aos ucranianos, afetando quase US$ 1 bilhão em armas e equipamentos usados para conter a invasão russa, e pausou o compartilhamento de informações de inteligência com as forças de Kiev — em entrevista à revista Time, um oficial ucraniano disse que a decisão causou “centenas de mortes” entre suas linhas.
Ao invés do enfrentamento, Zelensky preferiu a resignação e tentou amenizar o clima com o líder americano. Em carta, disse que estava pronto para trabalhar “sob sua forte liderança”, enquanto buscava aliados mais confiáveis, como os países europeus, que trabalham em um plano bilionário para reforçar a Defesa do continente (e que inclui a Ucrânia).
Ao ser questionado nesta terça-feira se as relações entre Zelensky e Trump estavam "de volta aos trilhos", Marco Rubio disse que "o que está de volta aos trilhos é a paz", e fez uma peculiar analogia a um conhecido filme do começo do século.
— Isso é coisa séria. Isso não é "Meninas Malvadas", isso não é um episódio de algum programa de televisão. Isso é muito sério — disse, se referindo ao filme de 2004 dirigido por Mark Waters.
Ataque com drones
Enquanto as delegações americana e ucraniana estavam reunidas em Jeddah, Kiev lançava um dos maiores ataques de drones contra o território russo desde fevereiro de 2022. De acordo com o Ministério da Defesa da Rússia, foram interceptados 337 drones, sendo 91 nos arredores da capital russa, Moscou.
ara uma cidade onde, na maior parte do tempo, a guerra que vitimou centenas de milhares de pessoas parece algo distante, as explosões nos céus, os danos em prédios e a morte de três pessoas foram um lembrete do conflito travado no país vizinho.
— Você entende que estamos em guerra, mas não percebe direito — afirmou Svetlana, moradora de Moscou, à agência de notícias AFP. — Mas agora, sim, ela chegou.
Para Peskov, os ataques desta terça-feira poderão afetar negativamente os rumos das conversas sobre um cessar-fogo.
— Ainda não há negociações. Hoje, os americanos, em suas próprias palavras, tentam entender o quão pronta a Ucrânia está para negociações de paz. Ainda não há negociações, então não há nada para atrapalhar aqui. Mas sim, é possível estragar significativamente a tendência emergente — afirmou, citado pelo portal RBK.
Fonte: O Globo