Giovanni Angelo Becciu, de 76 anos, reivindica direito de votação no conclave que elegerá o próximo Papa
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/q/o/DUxJ52RIeqga8IrfbWXQ/94259667-files-in-this-file-photo-taken-on-june-28-2018-newly-elevated-cardinal-giovanni-angelo-becc.jpg)
O cardeal Giovanni Angelo Becciu tentou convencer o Papa Francisco a endossar movimentações financeiras suspeitas realizadas por ele. A conversa por telefone entre o sacerdote e o Pontífice foi gravada, sem consentimento, por Becciu — que tenta participar do conclave, contrariando a opinião de outros cardeais — e divulgada pela imprensa italiana em 2022. A gravação foi feita em 24 de julho de 2021, apenas três dias antes do início do julgamento que levou à sua condenação por fraude, em dezembro de 2023.
Becciu, de 76 anos, é um ex-assessor próximo do Papa Francisco. Acusado de usar o fundo de doações de fiéis da Igreja Católica para a aquisição de um prédio em Londres, ele foi o funcionário de mais alta posição na hierarquia da Igreja Católica a comparecer ao tribunal do Vaticano, a Justiça civil da Cidade-Estado.
Com o nome ligado a acusações de nepotismo, corrupção e propinas, o cardeal foi condenado a 5 anos e meio de prisão e multado em 8 mil euros, o equivalente a aproximadamente R$ 43 mil na época. Como ele apresentou um recurso, está autorizado a continuar morando em um apartamento no Vaticano enquanto o processo estiver em andamento.
Agora Becciu, que alega inocência, deseja exercer o direito de voto no conclave, apesar de o Papa Francisco tê-lo ordenado em 2020, depois que o escândalo financeiro veio à tona, que renunciasse a seus "direitos e privilégios", incluindo a participação na eleição de um futuro Pontífice.
A conversa com o Papa
Em 2022, a imprensa italiana divulgou as gravações feitas de forma secreta em julho de 2021 — quando Francisco ainda se recuperava de uma operação no cólon naquele mês — de uma conversa telefônica do cardeal com o Pontífice, na qual Becciu tentou fazê-lo dizer que tinha aprovado o desbloqueio de fundos para libertar uma católica colombiana detida por um grupo ligado à rede terrorista Al-Qaeda no Mali.
— Você me deu, ou não, a autorização para iniciar as operações de libertação da religiosa? — perguntou Becciu: — Tínhamos estabelecido o resgate em 500 mil euros, não mais do que isso, porque nos parecia imoral dar mais dinheiro para os terroristas. Acho que já o havia informado de tudo isto... Se lembra?
Segundo a transcrição, publicada pelo jornal italiano Il Messaggero, o Papa respondeu que se lembrava “vagamente”. O Pontífice argentino pediu, então, que Becciu enviasse a pergunta por escrito. A ligação foi gravada no apartamento do ex-cardeal por uma pessoa próxima, segundo o tribunal.
A ligação se refere a uma acusação de que Becciu pagou 575 mil euros para Cecilia Marogna, que também foi processada no caso com outras oito pessoas, para ajudar a libertar a freira sequestrada. Parte da verba foi transferida para a conta de sua empresa na Eslovênia e parte, entregue em dinheiro vivo.
Segundo promotores, Marogna, que ofereceu seus serviços ao Vaticano como uma especialista em inteligência, usou o dinheiro em hotéis e artigos de luxos. Conhecida como "a dama do cardeal" na imprensa italiana, ela também visitou a residência de Becciu em várias ocasiões, mas ambos negam que mantivessem uma relação sexual.
A principal acusação contra Becciu, porém, refere-se a um escândalo sobre o uso de fundos do Óbulo de São Pedro — sistema de arrecadação de doações da Igreja Católica comumente usado em obras de caridade — para a compra de um edifício em Londres.
Na época, o cardeal ocupava a segunda maior posição na Secretaria de Estado do Vaticano, responsável pela gestão do fundo, e era a terceira principal autoridade da Igreja Católica. Alegando inocência, ele nega que os donativos tenham sido usados para a aquisição do imóvel.
Participação no conclave
Apesar da Sala de imprensa da Santa Sé listá-lo como um "não eleitor", Becciu reivindica participar do conclave que elegerá o sucessor de Francisco, afirmando que o Pontífice manteve seu título como cardeal — como todos os outros religiosos com o mesmo título, ele foi convidado a participar das Congregações Gerais pré-conclave.
— Referindo-se ao último consistório, o Papa reconheceu minhas prerrogativas cardinais intactas, já que não houve vontade explícita de me excluir do conclave nem solicitação de minha renúncia por escrito — declarou o cardeal ao jornal Unione Sarda.
A Congregação Geral dos Cardeais, cuja primeira sessão ocorreu na manhã desta terça-feira, terá de decidir sobre a reivindicação de Becciu. Entretanto, não será fácil conter a determinação do cardeal, que insiste veementemente em sua inocência e na ideia de ter sido “indultado” pelo Papa.
Apesar dos processos, em 2021 Francisco celebrou a Missa da Ceia do Senhor na capela privada de Becciu, onde tradicionalmente almoçava com padres romanos. Sua presença no conclave certamente seria um elemento desestabilizador, com possíveis efeitos mobilizadores — especialmente entre os setores do Sacro Colégio mais contrários à linha de Bergoglio.
Fonte: O Globo