Casal que perdeu guarda dos filhos em Portugal diz que foi ʽenganado pelo Estadoʼ


Carlos Orleans e Carol Archangelo durante entrevista por vídeo — Foto: Gian Amato/Portugal Giro/O Globo

Em entrevista ao Portugal Giro às vésperas do primeiro mês sem as crianças, tatuadores brasileiros Carol e Carlos revelam detalhes do início do caso, que ganhou repercussão internacional e pedido ao presidente para fiscalizar comissão de proteção de menores. Procurados, CNPDPCJ, CPCJ, MP e escola não responderam

Às vésperas de completar um mês da perda da guarda dos filhos em Viseu, Centro de Portugal, os tatuadores Carol Archangelo e Carlos Orleans falaram pela primeira vez juntos em entrevista por vídeo ao Portugal Giro.

Revelado pelo Portugal Giro, o primeiro caso de perda de guarda dos filhos envolvendo brasileiros a ganhar repercussão internacional gerou uma petição endereçada ao presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para fiscalizar a atuação das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) *.

O casal de brasileiros contou como começou a sinalização das crianças, da queixa de violência doméstica, retirada, e dos abusos que dizem ter sofrido ao longo de três anos e que têm revelado durante os últimos dias em suas redes sociais abertas ao público. O perfil de Carlos soma quase 9,5 milhões de visualizações.

— Se eu soubesse, eu não assinava. Eu me sinto enganado pelo Estado, disse Carlos.

— Eles mentem para você — completou Carol.

Segundo eles, milhares enviaram depoimentos em mensagens revelando que enfrentam o mesmo problema.

— É para coagir os emigrantes brasileiros, que ficam com medo e vão embora. Acham que somos invasores — declarou Carlos.

Portugal Giro (PG): Completam um mês sem as crianças no domingo?

Carlos: E no dia 17 (amanhã), um mês desde a última reunião antes da retirada. Estava tudo normal, mas eles trabalham no escuro. Em nenhum momento, desde o acompanhamento iniciado em 2022, a gente tinha ciência que isto poderia ocorrer. Isto nunca aconteceu.

PG: O que nunca aconteceu?

Carlos: Esta exposição. As pessoas não sabiam. As mães não sabiam que isto acontece e conhecemos muita gente na mesma situação. Foi o primeiro caso com repercussão e quem passa por isto vê em nós uma esperança de expor os abusos. São milhares de pessoas.

PG: Abusos?

Carol: Eles mentem para você. Dizem que se a gente se recusar a assinar o papel de intervenção, de acompanhamento, seremos levados para assinar na frente do juiz.

Carlos: Três ou quatro folhas com artigos camuflados, cheios de "juridiquês", dizendo que é para o bem-estar das crianças. Se eu soubesse, eu não assinava. Eu me sinto enganado pelo Estado.

PG: Como tudo começou?

Carlos: A sinalização feita na escola era que X. dormia na sala e tinha dificuldade cognitiva. Depois, nós nos separamos e houve uma queixa de violência doméstica, que foi retirada. Uma queixa transformada em “acusação” sem processo penal. Eles pegaram isso, “olha, sua mulher te acusou” para justificar, como motivo para terem retirado as crianças.

PG: Teve uma queixa de violência doméstica feita e retirada pela Carol?

Carol: A queixa foi retirada, mas eles tentam jogar isso, impondo que seria por causa da queixa.

Carlos: Não tenho registro de nada, nunca fui condenado por nada. Ela me acusou, mas não tem exame de corpo de delito, minha defesa, nada. E foi retirada na mesma semana.

PG: E como a Y. foi sinalizada?

Carlos: Sinalizaram e retiraram porque disseram que continuavam a aparentar falta de higiene, má alimentação, lanches ruins levados para a escola. (...) Agora, comem caixa de peixe industrializado.

Carol: E fast food (...) Eu acho que foi mais perseguição. O pai se sentiu indignado e discutiu na escola, que colocou nas CPCJ.

Carlos: Vingança e chantagem. Não dorme, não sabe escrever, foi a arma para entrar na família. Basicamente, falaram que não sabíamos cuidar dos nossos filhos.

Carol: Meus filhos têm todas as vacinas e notas boas.

PG: Se tudo correr como previsto, em seis meses eles voltam?

Carlos: Nem seis meses. Mesmo amparados pela lei, uns oito meses, segundo a advogada.

PG: Como estão suportando tudo, conseguem dormir, recorrem a remédios?

Carlos: A gente recorreu a Deus, porque não usamos nada. Não bebemos, não podemos ficar bêbados porque trabalhamos com motricidade. Nosso estilo de tatuagem é o “fine line”.

Carol: Mas é horrível chegar em casa sem eles, a ausência no fim de semana.

PG: Teve insinuação de drogas?

Carlos: Tenho tatuagem na cara e para eles somos maconheiros, é basicamente isso. Acusações… drogas para enfatizar, drogado tem que perder a guarda dos filhos. Tentam diminuir o caráter e a imagem, como se não honrássemos nossas contas. É estigma. Portugal é mais hipócrita.

PG: Publicou que teriam dito que você também poderia assediar sexualmente seu filho?

Carlos: Fiquei preocupado com a saúde do meu filho e pedi que não dessem banho. Eu faço a manobra peniana por causa do prepúcio. Eles disseram: “Se fosse para pensar assim, eu também seria um agressor sexual”. Eles tentam fazer com que a gente se perca.

PG: Pensam em voltar para o Brasil quando tudo acabar?

Carlos: Não há interesse de voltar, porque o poder de compra e segurança são melhores. Infelizmente, aconteceu isso e as pessoas, como nós, não sabiam. Mas não vamos ficar calados, eu não vou aceitar ficar um ano sem falar. O principal requisito é silêncio, não pode postar nada e tem que ficar calado diante de um abuso, sem os seus filhos.

Carol: Sendo que eles tomaram a atitude extrema.

Carlos: Esta era a última etapa. Deveriam ter verificado se têm outros parentes e marcado reunião de emergência. Pularam umas cinco etapas. Em nenhuma reunião disseram que as crianças poderiam passar por institucionalização e foram direto para a família de acolhimento. São crianças bonitas e educadas e há interesse significativo.

Texto público no perfil aberto de Carlos Orleans — Foto: Instagram/@carlosorleans


PG: Quais os próximos passos?

Carlos: Trabalhando para recuperar a guarda para familiares. Não tem objeção para que passem a guarda. Se não passarem, há má intenção com as crianças.

* As CPCJ são constituídas por representantes das esferas municipais e federais, assim como integrantes da Saúde e da Segurança Social. Também participam das comissões, entre outros, representantes do "organismo público competente em matéria de emprego e formação profissional", de associações e de forças de Segurança.


Posicionamentos

Em e-mail enviado como resposta ao Portugal Giro, a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) informou que não poderia comentar o caso dos filhos de Carlos e Carol e pediu que enviasse as questões "para a CPCJ de São Pedro do Sul (Viseu), que foi quem tramitou o processo".

O Portugal Giro, então, enviou um e-mail pedindo um esclarecimento sobre as críticas públicas dos pais ao tratamento dado aos filhos para a representação indicada das CPCJ em São Pedro do Sul, que respondeu o seguinte:

"Os processos de promoção e proteção relativos às crianças em apreço não correm termos na CPCJ de S. Pedro do Sul, uma vez que tais processos foram remetidos para o Ministério Público com fundamento na não prestação de consentimento por parte dos pais para a intervenção da CPCJ".

Após a informação acima, o blog entrou em contato com o Ministério Público e aguarda a resposta.

O Agrupamento de Escolas S. Pedro do Sul também foi contactado e não respondeu.

Fonte: O Globo



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