A economia da mentira é moderna, é o Jogo do Tigrinho, mas é antiga como os cartórios
Parei de ensinar a minha filha que ela não pode mentir. Sou considerado um especialista em mercado de trabalho. Esse é o século das habilidades não cognitivas, as tais habilidades socioemocionais. O que ninguém conta é que uma delas é saber mentir.
Mentir bem é um skill. Falamos para jovens sobre a importância de estudar ou até de se relacionar bem. Jovem, você precisa é aprender a saber mentir – pra ontem.
Não estou falando só de superar questões morais e ser livre para mentir. Estou falando de mentir de verdade, mentir bem. Um que não sabe mentir é o ministro que foi demitido pelo Lula. As denúncias de assédio da outra ministra nem me impressionaram. Eu fui pensar que ele era culpado quando ele foi negar.
“Querem tirar aquele que representa o povo!”. Notas assim passam energia de mentiroso. Não é assim que se faz. Bom, eu não sei exatamente como se faz, mas aprendi duas coisas sobre o tema na vida adulta.
Uma é que os adultos mentem muito. A outra é que há uma enorme demanda por mentiras.
As pessoas querem acreditar no seu político de estimação, no coach picareta, no tratamento estético que não terá efeitos colaterais, nas bets que desenharam exatamente pra tirar dinheiro delas. Aliás, regulação nunca vai resolver o problema das fake news porque age somente na oferta – ignora que as pessoas querem mais é consumir mentiras.
A economia da mentira é moderna, é o Jogo do Tigrinho, mas é antiga como os cartórios – que existem pra provar que algumas coisas não são falsas. Deve ser por isso que dão tanto dinheiro, ou talvez essa justificativa seja uma mentira também.

Regulação nunca vai resolver o problema das fake news porque age somente na oferta – ignora que as pessoas querem mais é consumir mentiras Foto: MclittleStock/Adobe Stock
Ninguém liga se alguém mente. “Todos os pagamentos do nosso tribunal respeitam estritamente o teto remuneratório”. “A compra é o casamento perfeito, entre o ROE de um e o funding do outro”. “Os jogos da plataforma são uma oportunidade para renda extra”. O juiz que passou a vida dizendo que era inglês só foi um pouco longe demais, mas fiquem tranquilos: não vai dar em nada.
Mentira deveria ser uma disciplina da escola, no mínimo para ensinar a identificá-las. Tá aí uma coisa pra admirar nos juízes, ter o tempo todo que analisar disputas em que só uma versão seja a verdadeira. Deve ser exaustivo. Merecem ganhar bem mesmo, toma aqui mais um retroativo.
Pra quem estiver preocupado com IA: os humanos não serão substituídos. Ela só alucina, mas foi programada pra contar a verdade. E isso é uma enorme fraqueza.
Mentira tem pernas de flamingo. Não pode mentir, filha, não pode mentir se for pra mim.
Fonte: Estadão / Por Pedro Fernando Nery - Professor de economia do IDP. Autor do livro "Extremos - Um Mapa para Entender as Desigualdades no Brasil"