Criada no século XIX, a comunidade viu a restinga desaparecer e o mar avançar sem controle na foz do Rio Mariricu, ameaçando casas e a vida de quem vive da pesca
O que fazer diante do avanço destruidor do mar sobre uma comunidade inteira? Fenômeno da natureza, reflexo das mudanças climáticas ou algo ainda desconhecido? Moradores de Barra Nova, no interior de São Mateus, no Norte do Espírito Santo, convivem com a incerteza sobre o futuro diante do avanço das águas do Oceano Atlântico sobre a vila que escolheram para construir suas histórias.
Segundo o presidente da Associação de Moradores e Pescadores de Barra Nova, Allan Furieri, a comunidade tem sentido de forma cada vez mais intensa a situação ao longo da última década. “Tem mais de dez anos que a gente sofre com isso. Esse avanço do mar está mais rápido, o mar mais alto do que a gente nunca viu. E dessa vez ele (o mar) comeu uma beirada (da comunidade) muito maior, que a gente não esperava, pegou a gente despreparado, tá preocupante”, disse.
Imagens registradas pelos moradores [assista abaixo] mostram a água já alcançando a porta das casas. “A gente consegue ver a maré batendo na varanda (das casas), e as pessoas estão trabalhando, colocando pedras, areia, para tentar minimizar a ação do mar”, relatou Allan. Segundo ele, as residências que aparecem no vídeo pertencem a moradores que “têm outras casas” e que já não vivem mais no local, devido ao risco provocado pelo avanço marítimo.

"Isso nunca aconteceu antes. As histórias que os moradores mais antigos aqui da comunidade contam é que essas marés são as maiores já vistas. Nós tivemos a chuva de 2022, que alagou as estradas de acesso à comunidade, ficamos dois meses ilhados — algo que, segundo os mais velhos, nunca havia acontecido — e agora essa força do mar, tão intensa como nunca, é, sem dúvidas, um sinal das mudanças climáticas", aponta.

“A situação tende a piorar, só que existe um projeto do município de intervenção, que é uma obra de enrocamento, justamente para limitar a ação da boca da barra, fixar a boca da barra, e aí eles conseguiriam ter o controle, semelhante ao que foi feito em Conceição da Barra. A tendência é que piore, se não houver uma intervenção, mas existe um projeto do município, em parceria com o governo do Estado, e eles estão tentando viabilizar a execução desse projeto”, afirmou o representante dos moradores.
“Aqui em Barra Nova Norte moram cerca de 100 famílias. Na área que está sendo atingida primeiro, são 12 casas. Existe um morro aqui que funciona como uma proteção natural. Se esse morro for levado, aí o mar vai começar a avançar sobre o restante da comunidade. Em Barra Nova Sul, a situação também é preocupante, com sinais claros de erosão — tem até uma pousada que já está com a churrasqueira desabando. Estamos falando de 200 famílias em Barra Nova Sul e 100 em Barra Nova Norte. A tendência é que a erosão continue, e, com isso, outras comunidades ribeirinhas também serão fortemente impactadas”, disse Allan Furieri.
"A gente está pedindo ações urgentes e emergenciais, tanto do Estado quanto do município, para que ajudem a comunidade a tomar as medidas necessárias, para que a gente não deixe Barra Nova desaparecer
Allan Furieri•Presidente da Associação de Moradores e Pescadores de Barra Nova"
Segundo o presidente da associação, uma assessora do alto escalão do governo do Estado esteve na comunidade em março, no auge do mar revolto, e teria afirmado que o governador está “ciente” do problema e avaliando quais medidas podem ser adotadas.
Para entender o problema, A Gazeta buscou resgatar a história da comunidade. A origem de Barra Nova — povoado formado nas proximidades do encontro entre o mar e o rio em São Mateus — remonta ao ano de 1866. A sede é composta por uma praia e uma vila, ambas com o mesmo nome, bastante frequentadas por visitantes em busca de sossego e contato com a natureza.
É nesse território que se encontra a foz do Rio Mariricu, criada artificialmente por volta da metade do século XX, com o intuito de escoar as águas da região do Vale da Suruaca — atual Barra Seca, situada na zona rural do município —, onde as planícies sofriam com alagamentos persistentes ao longo do ano. Registros históricos apontam que, a partir da abertura dessa nova foz, surgiu a Ilha de Guriri, considerada a maior do Espírito Santo e o bairro mais populoso de São Mateus, com cerca de 20 mil moradores, segundo o Censo do IBGE de 2024.

Registros históricos apontam que o Rio Mariricu, formado a partir da abertura da nova barra, era originalmente o Rio Barra Seca, que antes desaguava no Rio São Mateus. Ao perceber que, em certo trecho, esse curso d’água se aproximava bastante do Oceano Atlântico, o Comendador Reginaldo Gomes da Cunha — irmão do Barão dos Aimorés — tomou a iniciativa de abrir um canal ligando o rio ao mar.
Dessa intervenção surgiu o nome Barra Nova, atribuído à pequena enseada que se formou no local. Essa nova foz foi criada em 1866 com o objetivo de estabelecer um novo porto, uma vez que a desembocadura do Rio São Mateus, em Conceição da Barra, apresentava limitações que dificultavam a navegação — atividade frequente na região durante aquele período. Outro propósito era promover o escoamento das águas acumuladas na área da Suruaca, viabilizando o uso de suas terras férteis para ampliar a atividade pecuária.

Entre a praia de Barra Nova e a de Guriri — separadas por pouco mais de 24 quilômetros —, localizam-se as praias do Caramujo, Oitizeiro, Brejo Velho, Aldeia do Coco, Ranchinho e Gameleira. A maioria dessas faixas litorâneas apresenta características mais rústicas, com áreas de restinga bastante degradadas.

Em nota, o Departamento de Edificações e de Rodovias do Espírito Santo (DER-ES) – braço do governo do Estado na execução de grandes obras – informou que o local é de competência municipal, porém, o DER disse que "já esteve no local realizando uma visita técnica, com um especialista em zona costeira, que fez uma avaliação para a prefeitura e desde então está à disposição do município para encontrar uma solução".
A Prefeitura Municipal de São Mateus classificou o caso como um "problema crônico, que vem se arrastando ao longo dos anos". Destacou ainda que o prefeito e o secretário de Meio Ambiente estiveram presencialmente na comunidade e que "já está tomando as providências, com as Secretarias afins, Meio Ambiente e Obras, para uma ação emergencial". Questionamos a gestão sobre quais seriam essas medidas, mas até o momento a prefeitura não respondeu aos nossos questionamentos.
A Associação de Moradores e Pescadores de Barra Nova informou que a Prefeitura de São Mateus está enviando caminhões com pedras e disponibilizando máquinas para posicioná-las em frente às casas mais atingidas. "A prefeitura está buscando pedras grandes, com média de 2 a 8 toneladas, em um município vizinho, e colocando na beira do canal, em frente às casas", informou.
Fonte: A Gazeta